A história de um cara chamado Guilherme Benchimol que revolucionou o Mercado Financeiro brasileiro.
Um cara “raçudo” Nascido em 1976, Guilherme Benchimol, filho de pais separados, levava uma vida ao mesmo tempo apertada (quando estava com a mãe, artista plástica) e confortável (quando estava com o pai, cardiologista de sucesso).
O pai transmitia uma educação rígida, cobrando notas altas e um excelente comportamento.
Também não liberava grana, se Guilherme quisesse dinheiro, ele teria que ganhar.
Como o dinheiro não vinha fácil para as mãos de Guilherme, seja pela pobreza da mãe ou avareza do pai, ele cresceu aprendendo que a vida era dura, que só se conquistava dinheiro com dificuldade e muito esforço.
Daí, provavelmente, nasceu a garra do jovem garoto, que entendeu desde cedo que era preciso correr atrás para conquistar seus sonhos.
Na hora de decidir a profissão, Guilherme Benchimol, que cada vez mais se incomodava com a falta de dinheiro, optou por cursar Economia.
A decisão foi inspirada em uma matéria da revista Exame sobre a história de empreendedorismo do banqueiro Luiz Cesar Fernandes, do Pactual, que conseguira fazer fortuna a partir do caos.
“Quero mexer com dinheiro. Chega de passar perrengue.”, decidiu o futuro economista.
O início da vida profissional foi duro, e assim que entrou para o curso de economia da UFRJ, tentou sem sucesso entrar para algum dos maiores grupos financeiros do Rio.
Conseguiu apenas estágios inexpressivos que não o fizeram avançar.
Depois de formado, Guilherme foi contratado como trainee do banco Bozano.
Seu papel lá era buscar novos clientes, um papel onde ser “raçudo” fazia a diferença.
Foram dois anos se sentindo gente grande, mas quando estourou a bolha em 2000, os ajustes na empresa não tardaram a chegar.
Em 2001, ele acabou sendo demitido, o que foi um choque.
Para ele, ser mandado embora significava que ele não era bom o suficiente.
Decepcionado, ele fugiu para Porto Alegre, tentando deixar o fracasso para trás.
Nasce a XP Em Porto Alegre, longe da cobrança paterna, Guilherme Benchimol recebeu uma injeção de auto estima.
Trabalhando na corretora Diferencial, se juntou a Marcelo Maisonnave, jovem com extensa rede de contatos, e passaram a atuar como agentes autônomos.
Com um crescimento constante, apesar de lento, não tardou para a dupla criar o seu próprio escritório de agentes autônomos.
Em 2001, Guilherme Benchimol fundava a XP Investimentos
Com um início difícil, a empresa seguiu sem rumo por bastante tempo.
Arranjar clientes dispostos a investir em ações era o maior desafio.
E, mais que isso, eles observaram que as pessoas tinham medo do “universo desconhecido” que era o mundo dos investimentos.
Era preciso ser criativo para fazer a empresa avançar.
A solução foi oferecer cursos introdutórios de como investir na Bolsa e depois abrir as contas dos alunos dos cursos.
Os cursos começaram a dar dinheiro, apesar do volume de investimentos ser baixo.
Logo eles puderam desligar-se da Diferencial e começaram a alçar vôo solo.
Marcelo e Guilherme iniciaram a expansão da XP nas cidades ao redor de Porto Alegre, com a mesma estratégia que já tinha funcionado na capital gaúcha: montar um exército de agentes autônomos para ministrar cursos e atrair novos clientes.
Logo, eles perceberam as limitações do modelo, pois apesar do sucesso dos cursos, a taxa de conversão dos alunos que tornavam-se clientes era muito baixa.
Eles estavam virando uma empresa de educação e esse não era o plano.
Guilherme Benchimol não demorou para aparecer com a solução: ensinar os clientes a usar a média móvel (indicador usado pelos analistas de mercado) para saber quando comprar ou vender uma ação.
A ousada estratégia acabou dando muito certo e a quantidade de alunos que viraram clientes começou a aumentar.
Aproveitando-se do cenário favorável de estabilidade financeira e crescimento da Bolsa, entre 2003 e 2004, Guilherme e Marcelo foram consolidando a expansão da XP e dominando o Sul do país.
Em dois anos o faturamento passou de 65 mil para 3 milhões de reais.
A boa fase não o deixou se acomodar.
Guilherme percebeu que precisava diversificar as fontes de receita, afinal aquele boom do mercado acionário poderia acabar.
Sempre atento ao comportamento dos clientes, ele observou que, apesar da alta taxa de conversão de alunos em clientes, o pequeno investidor ficava mais confortável quando tinha alguém selecionando ações para ele.
Para atender essa demanda, criou a XP Gestão.
A essa altura, o núcleo da XP – cursos, operações na bolsa e o crescente exército de agentes autônomos – já era um sucesso e, em 2005, a empresa já tinha 20 filiais na reunião Sul.
E Guilherme, completamente quebrado 2 anos antes, já tinha mais de 200 mil reais na conta.
Guilherme Benchimol: Esse troço vale dinheiro para caramba
A ansiedade e o estilo visionário de Benchimol, para preparar a XP para aproveitar o mercado acionário em ascensão, os fez mudar o escritório para um dos prédios mais chiques de Porto Alegre, com capacidade para abrigar 100 funcionários, quando eles tinham apenas 30.
Decisão arriscada, que caso não desse certo, poderia ter ameaçado a sobrevivência do negócio.
Algum tempo depois, Eduardo Plass, um ícone no mercado financeiro e dono da Ágora, a maior corretora do Bovespa, chegou até eles com uma proposta que mudaria os rumos da XP para sempre: comprar a XP e juntá-la à Ágora.
Depois de muita negociação e ponderação, Guilherme e Marcelo perceberam que eles acabariam perdendo a autonomia e ainda teriam que acabar com a rede de agentes autônomos da XP.
Não valia a pena, o preço a pagar era alto demais.
Recusar a oferta trouxe confiança à XP e as observações de Plass acabaram sendo como um MBA para Guilherme.
Se administrada daquela forma a XP valia 30 milhões, imagina quanto valeria se fossem aplicadas algumas das lições aprendidas durante as negociações.
Era impossível que não valorizasse ainda mais.
E foi o que eles fizeram em seguida: arrumaram a casa. Inspirado pelas palavras de Plass, que defendia que apenas os agentes autônomos não era suficientes para que a XP chegasse ao máximo de seu potencial, Guilherme decidiu que eles iriam virar uma corretora.
A decisão significou uma guinada completa no modelo de negócio da empresa.
A menor corretora do Brasil
Na tentativa de encontrar alguma corretora para associar-se, eles descobriram a carioca Americaninvest, uma corretora minúscula e falida, mas a única opção que cabia no bolso deles e, cujo dono estava disposto a vender.
A compra da Americaninvest fez com que Benchimol se mudasse para o Rio, levando consigo a sede da XP.
Além disso, a corretora acabou mudando o tamanho da empresa ao criar novos postos de trabalho e tornando necessária a contratação de todos os agentes antes autônomos.
Sempre pensando na frente, fazer a corretora dar certo tornou-se a sua prioridade.
A recém inaugurada corretora nascia no melhor momento do mercado em décadas, aproveitando o inédito bull market.
Em conversas informais, falava-se que que bancos como Itaú e Unibanco estariam interessados na Xp, com avaliações da ordem de 240 milhões de reais (valorização de 8 vezes em apenas um ano e meio).
Modo de Sobrevivência
Enquanto a bolsa brasileira ocupava patamares nunca vistos na história, o estouro da bolha americana em 2008 mudou as coisas por aqui.
Para as corretoras, apesar do cenário de mais completo caos, elas aumentavam seus ganhos com corretagem devido ao volume intenso de negociação em ações.
Atentos à movimentação do mercado, Guilherme e seus sócios perceberam que aquela euforia inicial iria acabar e a crise traria profundos impactos inclusive para a XP.
A ideia de contratar todos os agentes autônomos, que tinha deixado a XP mais pesada, teve de ser revista.
Guilherme soube ser humilde em voltar atrás da decisão equivocada tomada anteriormente e decidiu falar visitar mais de 30 cidades para falar pessoalmente com cada um dos 220 agentes, explicando que tinha tomado a decisão errada e deveria inverte-la.
O erro de estratégia deu trabalho e custou muito dinheiro, mas assim como em outros momentos futuros da XP, a regra era “stop curto”, ou seja, “parar de perder o mais rápido possível”.
Essa estratégia foi marcante em toda a trajetória da empresa: priorizar pequenos projetos.
Se dessem certo, aumentava o investimento; se dessem errado, eles seriam rapidamente cancelados.
Apesar da bolsa brasileira ter conseguido superar a crise americana e 2009 ter fechado com o melhor retorno em dezoito anos, a experiência serviu para mostrar à XP que eles precisavam de novas fontes de receitas para tornar a empresa mais independente e menos refém da bolsa.
Réplica brasileira da Schwab
Em uma feira nos EUA, em 2010, quando buscavam novas fontes de receita, os sócios da XP conheceram a empresa americana Charles Schwab. Começou ali o projeto mais importante da XP: se transformar na Schwab.
A Schwab convencera milhões de americanos a deixar os bancos oferecendo uma assessoria de investimentos completa, através de seus independent financial advisors.
A ideia, que parecia inconcebível no Brasil, fazia total sentido para a XP, que já possuía a rede de agentes autônomos.
Eles ampliariam a sua atuação, vendendo outros produtos.
Assim, a XP passaria a competir pelo mesmo mercado onde atuavam os grandes bancos.
Estava pronta a estratégia que faria a XP chegar cada vez mais longe, Nessa época, após penosa negociação, eles conseguiram receber um investimento da inglesa Actis.
Pela primeira desde que a XP fora fundada, 9 anos atrás, a empresa tinha fôlego financeiro.
Além disso, o aporte financeiro do grupo estrangeiro dava à XP a credibilidade que Guilherme buscava desde o início.
E os sócios, ao salários e dividendos, pela primeira vez, se sentiram ricos.
Guilherme Benchimol e sua empresa bilionária
As vantagens de transformar a XP na versão brasileira da Schwab eram enormes, mas aqueles jovens não faziam a menor ideia de como fazer isso.
A intenção era criar uma espécie de “shopping financeiro”, oferecendo aos pequenos investidores os melhores produtos financeiros existentes.
Para o coração da XP, formado pelos agentes autônomos, a mudança não foi fácil de aceitar, afinal, era a terceira grande mudança, em menos de quatro anos.
Primeiro viraram celetistas, depois voltaram a ser autônomos e, agora, tinham que vender outros produtos.
A estratégia de Benchimol foi aparecer cada vez mais na imprensa para “vender o sonho” para o grande público e, principalmente, estimular os agentes e evitar que eles abandonassem a XP.
As condições do mercado nos anos seguintes seriam decisivas para terminar de convencer os agentes sobre a necessidade da mudança.
O próximo passo foi criar uma feira para envolver os agentes autônomos no imenso cenário que era o mundo dos investimentos, muito além das ações.
A estratégia de cópia da Schwab acabou dando certo.
No final de 2012, 50% da receita da XP já vinha do “shopping”, um surpreendente resultado para uma empresa que dois anos atrás vivia exclusivamente da compra e venda de ações.
O novo panorama instigou Marcelo e Guilherme a negociarem novamente a venda de parte da XP, dessa vez visando o recebimento de dinheiro pelos próprios fundadores e não apenas para inserir capital na empresa.
Depois de muita negociação, a XP vendeu 31% para a norte americana General Atlantic, a GA, por 420 milhões de reais.
Essa venda teve profundos impactos na XP.
Para Guilherme, a cúpula da empresa, basicamente a mesma desde o início, não mais atendia às necessidades de empresa bilionária que a XP tinha se tornado.
O fim do clube dos amigos
Mudar passou a ser uma questão de sobrevivência do negócio.
A cultura da XP reforçava traços dos próprios valores de seu CEO: Guilherme não tinhas grandes luxos e exigia que seus sócios se comportassem da mesma forma, sempre pregando a humildade, além de esperar que os outros se matassem de trabalhar como ele fazia.
Nesse processo, praticamente toda a diretoria da XP foi substituída, inclusive o co-fundador, Marcelo Maisonnave, que deixou a empresa em 2014.
As complexas mudanças foram acompanhadas de duras críticas ao estilo centralizador de Guilherme.
Sócios que pensavam como ele seguiam, enquanto os outros iam ficando pelo caminho.
Velocidade de escape
Depois da saída de Marcelo, Guilherme deu mais um passo e levou a sede da XP para São Paulo.
Eles iriam ficar agora lado a lado com os maiores bancos de investimento do país, em meio a elite financeira que ainda olhava a XP com desdém, apesar da empresa já valer, na época, mais de 1 bilhão de reais.
Após a mudança para SP, com rédeas curtas, Benchimol levou a XP a um duro processo de controle dos gastos e otimização, deixando-a pronta para crescer.
E deu certo.
Em 2015, com um lucro ultrapassando os 140 milhões, a empresa conseguiu crescer em ritmo acelerado, já começando a incomodar os grandes bancos. E seguiu voando alto no ano seguinte.
Em dois anos a receita tinha mais que dobrado, passando de 1 bilhão de reais e superando todas as metas.
Dual Track Com o modelo funcionando super bem, parecia que havia finalmente chegado o momento de abrir o capital da XP.
O sócio Martin Escobari, da GA, diferente dos inexperientes meninos da XP, já tinha passado por várias situações como aquela.
Para ele, ao partir para a abertura de capital, a empresa deve ter um plano B (ou dual track), isto é, discretamente iniciar uma negociação com um único investidor.
Escobari acreditava que o Itaú era o comprador mais óbvio para a XP e, agora com o dual track, colocou em prática o seu plano secreto: apresentar os números da XP para colocar o banco na jogada.
Deu certo. A XP impressionou a cúpula do Itaú.
Para Setubal, não interessava o controle da XP e sim uma participação minoritária, como forma de fazer parte daquela empresa em ascensão.
Apesar dos questionamentos de Guilherme sobre a aproximação, foi marcada a primeira reunião dele com Setubal.
A paixão demonstrada pelo negócio e o profundo conhecimento da operação fez Guilherme cair nas graças de Setubal.
Na primeira conversa eles já conseguiram definir as linhas gerais da transação e o valor atribuído pelo Itaú à XP – 12 bilhões de reais.
Combinaram que a gestão continuaria sob a responsabilidade do Benchimol, que não abria mão da independência, mas a auditoria interna seria do Itaú.
Ao longo de quase três meses, um grupo de advogados e banqueiros, no mais absoluto sigilo, se debruçou sobre a complexa operação, com diversas idas e vindas e quase foi cancelada às vésperas de ser concretizada.
Finalmente, em maio de 2017, o Itaú comprou 49,9% da XP e Guilherme, além de embolsar 1 bilhão de reais, garantiu a permanência no controle da XP.
Depois da concretização da negociação, eles ainda tiveram que enfrentar uma complicada aprovação regulatória.
Somente em 2018, após diversas concessões, XP e Itaú conseguiram finalmente assinar acordo de liberação com o Banco Central.
Durante esse intervalo entre a negociação e o fechamento da transação com o Itaú, a concorrência seguiu os passos da XP, lançando as suas versões de “shopping financeiro”, inclusive os grandes bancos.
Apesar disso, a XP continuou crescendo em ritmo acelerado.
Destaca-se o mérito da XP em ter sido a primeira empresa brasileira a falar em “desbancarização”, causando uma revolução no mercado de gestão de recursos ao alterar completamente, e sem volta, as estruturas de poder que dominavam o mercado financeiro ao longo do tempo.
No final de 2019 a empresa se preparava para a tão sonhada abertura de capital no mercado americano, avaliada em 50 bilhões de Reais, mais de quatro vezes o valor avaliado pelo Itaú, em 2017.
Guilherme Benchimol, com o passar do tempo, passou a assumir um papel institucional mais forte, priorizando a manutenção da cultura da XP.
Afinal, o sangue nos olhos, a disposição para ralar por horas sem parar e o foco obsessivo no sucesso da empresa faziam parte do DNA da XP e a tinham levado tão longe.
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